Então é natal, e com ele chegam diversa dúvidas sobre nossa conduta durante o ano, ou sobre o que se denomina espírito natalino. É neste momento em que alguns questionam a veracidade da data historicamente, outros questionam o valor moral de uma data contaminada por tremendo consumismo, enquanto alguns questionam os padrões hipócritas de mudança de comportamento que surgem nessa época e dura até o ano novo em alguns casos.
O que as vezes não se percebe, é a possibilidade simbólica que essa data traz pensemos aqui a uma das criticas que o Natal celebrado em 25 de dezembro recebe : o fato de ser um sincretismo de festas pagãs adequados pela igreja católica para ajustar a crença do cristianismo com as crenças vigentes. Ao compreendermos que isso se dá por uma manifestação do inconsciente coletivo perceberemos que na verdade este processo não é algo ruim, ele é na verdade um reforçador de que neste momento do ano nossos inconscientes se alinham nesse sentido por conta de toda uma herança cultural e simbólica que herdamos de nossos antepassados. Jacoby (1976) apontara um distinção em diversos níveis dentro do inconsciente ampliando a noção Jungiana do inconsciente coletivo em uma estratificação do inconsciente na qual ele representa como sendo uma árvore, onde o conteúdo base se dividiria nos mais diversos níveis em direção a copa da árvore representando assim diferentes graus do mais antigo ao mais recente da experiência inconsciente compartilhada pelos mais diversos grupos humanos formando assim um inconsciente cultural.
As experiências simbólicas e religiosas fizeram parte de todas as culturas humanas desde sua mais tenra estruturação e o alinhamento entre conteúdos de culturas diferentes através do sincretismo apontam que essa manifestação do inconsciente coletivo (arquétipo), encontra a possibilidade de expressar seu conteúdo somando-se a elementos simbólicos semelhantes e por isso o natal cristão soma-se a data do solstício que já era celebrada pelas mais diversas culturas,por conta de toda sua representatividade social e por isso dotada de grande potencial simbólico e arquetípico.E todos os símbolos aqui presentes auxiliam a psique a se estruturar nesse movimento de totalidade, desejamos o melhor para os outros, somos fraternais, solidários, por um breve instante somos os melhores que poderíamos ser, e depois quando os símbolos se vão essa completude se põe assim como o Sol.
Em Jung (1975) vamos encontrar uma noção de que os arquétipos são estruturas oriundas do inconsciente coletivo dotadas de grande carga energética capazes de representar algum conteúdo que a psique pode integrar a sua estrutura de alguma forma, o arquétipo trabalha essa dimensão simbólica de todos estes conteúdos representados nessa época natalina, e comummente as diversas culturas celebravam figuras que representam um conteúdo arquétipo relacionado a transformação, ao renascimento, a morte e a vida. A partir dai, o inconsciente ao longo de toda a evolução da humanidade elegeu como um instante de se cultuar as figuras solares ,esta ultima semana do ano pois é uma semana relacionada basicamente ao Sol.
Mas antes de falarmos do Sol, é importante ressaltar o caráter simbólico de uma utilização da figura do nascimento e da criança, enquanto Arquétipos e que são fundamentais na construção mitológica do cristianismo.
Eu vou usar só um trecho do Jung para exemplificar essa noção, já que ele sintetiza bastante a necessidade psicológica de se utilizar a figura da criança
“Chama a atenção o paradoxo presente em todos os mitos da criança, pelo fato dela estar entregue e indefesa frente a inimigos poderosíssimos, constantemente ameaçada pelo perigo da extinção, mas possuindo forças que ultrapassam muito a medida humana. Esta afirmação se relaciona intimamente com o fato psicológico de a ‘criança’ ser ‘insignificante’ por um lado, isto é, desconhecida, ‘apenas’ uma criança, mas por outro, divina.”
“Um aspecto fundamental do motivo da criança é o seu caráter de futuro. A criança é o futuro em potencial. Por isto a ocorrência do motivo da criança na psicologia do indivíduo significa em regra geral uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se à primeira vista de uma configuração retrospectiva. A vida é um fluxo, um fluir para o futuro e não um dique que estanca e faz refluir. Não admira portanto que tantas vezes os salvadores míticos são crianças divinas. Isto corresponde exatamente às experiências da psicologia do indivíduo, as quais mostram que a ‘criança’ prepara uma futura transformação da personalidade. No processo de individuação antecipa uma figura proveniente da síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade. É, portanto, um símbolo de unificação dos opostos , um mediador, ou um portador da salvação, um propiciador de completitude.”
“A ‘criança’ nasce do ùtero do inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria natureza viva. É uma personificação de forças vitais, que vão além do alcance limitado da nossa consciência, dos nossos caminhos e possibilidades, desconhecidos pela consciência e sua unilateralidade, e uma inteireza que abrange as profundidades da natureza. Ela representa o mais forte e inelutável impulso do ser, isto é, o impulso de realizar-se a si mesmo.”
O cristo encarnado em seu nascimento, carrega em si esssa potencialidade de desenvolvimento pleno, suprahumano.
Para nós do hemisfério sul, o solstício não faz tanta diferença em termos culturais e sociais, porem para os povos do hemisfério norte celebrar nessa data o deus sol sempre teve um grande valor já que eles estão adentrando no inverno e precisam de todo potencial simbólico que o sol puder lhes agregar, todo o conforto psicológico que este símbolo pode trazer mas nós por conta de toda a colonização e sincretismo . E para nós aqui do hemisfério sul, trazemos este potencial em nosso inconsciente.
Essas questões dos mitos e dos símbolos solares é algo que se encontra facilmente pois são sempre símbolos relacionados a alguma esperança e que em sua trajetória estas figuras arquetípicas enfrentam a morte e a ressurreição, álem de serem provedoras de vida e servirem como guias simbólicos do arquetipo que Jung (1978) vai denominar de Self. O Self é a estrutura central da Psique dentro da Psicologia Jungiana, e Jung denominava o Self como a parcela divina da psique, pois é através do Self que esta,a psique, se restrutura e se movimenta em direção do desenvolvimento das suas potencialidades, simbolicamente o Sol manifesta a possibilidade divina da fagulha da vida, uma caminhada em direção a luz de auto conhecimento e desenvolvimento, um sair da caverna platônica, o Sol agrega os valores morais, os aspectos simbólicos de esperança, de uma melhor vida individual e coletiva.
Jesus apresenta características arquetípicas diversas e um imenso simbolismo, porem Jesus representa também, e principalmente, um desses arquétipos solares poid sua mensagem de transformação e evolução enquanto sujeitos demonstra essa potencialidade latente no ser humano, e uma observação superficial da mitologia judaico-cristã aponta as relações entre Jesus e os mitos solares. Encontraremos sua relação simbolizada pelo Leão da tribo de Judá e isso explicita Jesus como símbolo solar, pois a partir de uma fala de Campbell (1993) é possível compreender o porque dele ser um representante simbólico do Sol. Segundo Campbell ” […] O sol é a tigela do alimento de deus, cujo cálice inexaurível abundante em substancia do sacrifício cuja carne é na verdade alimento e cujo sangue é bebida, ele é aquele que nutre a humanidade. O raio solar que aquece a terra simboliza a comunicação de energia divina ao útero do mundo[..].
No fim, está é apenas uma época propicia que possibilita uma transformação psicológica,independente do credo. O símbolo principal que as mais diversas culturas veneram nessa época é o Sol,que simbolicamente representa a totalidade da psique, é um símbolo que fala da completude e do potencial divino no homem,e essa representação já encontra-se enraizada no inconsciente coletivo.O nascer da criança divina deve ser encarado não apenas em seu aspecto religioso para aqueles que acreditam,mas sim em seu aspecto simbólico de como essa criança divina repousa em nosso inconsciente,ela representa a nossa possibilidade de sermos sujeitos melhores e simbolicamente enquanto criança traz em si todas as potencias,pois é isso q o arquétipo da criança representa,todas as possibilidades que um sujeito pode ter para seu crescimento,uma estrada de infinitas possibilidades em direção ao melhor que ele pode ser,para si e para os outros.
Com isso veremos que Jesus representa o Sol tanto na figura do Leão que é associado simbolicamente com o sol pela “realeza” a ele atribuída tanto pelo discurso o qual Jesus pregou durante sua vida que se assemelha a expressão de um simbolo solar.
Simbolizar o nascimento é integrar a Psique a ideia de que esses valores de vida não se percam e que essa completude perdure, e vá sendo cada vez mais agregada em direção a esperança trazida pelos mitos solares,em termos “religiosos” per si , a religação que este símbolo trás é principalmente com o nosso próprio divino.
Poderia se escrever bastante a esse respeito e principalmente elaborar melhor a correlação entre os diversos símbolos natalinos, passar pelo Sol invictus, por Rá, Mithra ou os mais diversos deuses que mesmo não sendo arquétipos do sol,partilham diversos elementos dos mitos solares e assim nasceram nesta “data” e partilham aspectos dessa energia em nosso inconsciente. Mas não é esse o objetivo, aqui a ideia é uma mera observação de que independente do seu credo, ou cultura o seu inconsciente trás nesse momento especifico, entre o fim de dezembro e o inicio de janeiro uma possibilidade de maior interação e integração consigo e com os outros, e que o Sol que ascende nesse momento simbólico perdure ao longo da vida e que não se ponha muito em breve.