Jonas e a baleia
Vem repercutindo na mídia atualmente um suposto jogo no qual os jovens precisam cumprir uma série de desafios e cujo o ultimo deles seria o suicídio, algumas mortes foram atribuídas ao “blue whale challenge” ou desafio da baleia azul tanto na Rússia quanto aqui no Brasil, porém, é importante salientar que nada foi confirmado e ainda não se pode atribuir os suicídios diretamente a baleia azul.
Não quero aqui com isso dizer que não existam jovens em condições psíquicas fragilizadas a ponto de se apropriarem de um “desafio” ou qualquer coisa do gênero para conseguirem expor algum tipo de dor ou sofrimento que os acometa, então mesmo que a Baleia Azul da forma como é colocada não seja real, o sofrimento de muitos jovens é e é pra isso que devemos nos atentar. A baleia azul é o que se chama de Hoax, uma noticia falsa ou sem comprovação especifica que circula pela internet, é um factoide e que ganha força conforme as pessoas compartilham seu conteúdo sem a mínima reflexão, pois de acordo com o que se propaga sobre o jogo ele seria proposto em grupos de pessoas já com ideação e tendência suicidas, logo caso ficasse comprovada a ligação entre as mortes e a baleia azul ela seria apenas o ultimo passo destes sujeitos já angustiados e em sofrimento psíquico.
A questão fundamental é: em que momento se pode intervir para que estes jovens tenham acesso a uma possibilidade de perceber que existem outras possibilidades alem das quais eles enxergam? A “culpa” é da baleia azul ou nós enquanto sociedade mais uma vez falhamos em garantir o amparo necessário para o desenvolvimento de alguns sujeitos e precisamos logo encontrar um bode expiatório para lidarmos com a culpa?.
Esse é um movimento natural do ser humano, seja individualmente ou em grupo, a dificuldade em lidar com a culpa faz com que a projetemos sobre outros. Ou talvez coloquemos a culpa na falta de chineladas, na falta de Deus no coração, mas nunca admitimos que a falta é nossa e nossa no sentido amplo porque enquanto sociedade estamos compartilhando piadas sobre suicídio,ou tratando com menos importância a dor dessas pessoas que estão a ponto de desistirem da vida,o monstro não é a baleia azul,o monstro somos nós. Nós que não aceitamos que os sujeitos sejam da maneira que se sentem melhor, nós que achamos que todo mundo tem que se adequar infinitamente pra caber em modelos e padrões de vida que comprovadamente não trazem felicidade nós que exigimos que os sujeitos se percam e quando eles percebem que perderam o sentido da vida por qualquer questão que seja,nós os julgamos e apontamos logo culpados.
Todos sabemos o quanto a juventude pode ser um processo traumático em si mesmo, infinitas mudanças corporais, de grupos de pertença, de aceitação de sexualidade, de conflitos que parecem infinitos e se duram 2 meses já são uma vida toda pois aos 14 ou 15 anos somos muito pouco resilientes e ficamos facilmente fragilizáveis.
E todo essa discussão sobre baleia azul, sucinta na verdade que falta escuta, falta escuta para o que o jovem nem sempre diz, porque para aceitação e por ter que mostrar se sempre bem, feliz ou realizado, ele pode fingir um comportamento. Nem sempre o suicida vai ser o declaradamente depressivo, aquele você olha e já julga como estando na pior,usamos mascaras para nos posicionar socialmente e é embaixo delas que esta a realidade de cada um, a realidade a qual deveríamos dar mais atenção. Nós nos importamos muito pouco com os sujeitos de fato, mas cobramos muitas coisas deles em qualquer aspecto da vida. Percebam que sempre teremos um parâmetro pra julgar como se o que aquele individuo estivesse fazendo não fosse o bastante sempre tem mais que poderia ser feito e isso fala muito mais sobre a nossa própria frustração.
A dificuldade real aqui é dar a devida atenção pra depressão infanto juvenil, cujas manifestações nem sempre serão as de um tristeza profunda e apatia, ela pode tomar a forma de uma raiva desmedida ou ate mesmo uma alegria quase inacabável; tudo isso por conta das pressões que os jovens sofrem, esse é o verdadeiro problema a falta de atenção a depressão. E esses jovens que se ferem estão querendo dizer algo, é uma expressão de que alguma coisa não vai bem, tem angustia, tem sofrimento, e por razões que a gente não sabe e só vai saber se parar pra ouvir antes de julgar e apontar qualquer coisa. Muitos podem dizer, “mas fulano não tem motivo pra ter depressão!” E quem somos nós pra dizer que o que outro tem é o que ele precisa se não paramos pra ouvir? o que falta pro outro só ele é quem sabe.
Hoje tem sido noticiados alguns casos no Brasil ligados a Baleia azul, principalmente de auto mutilação, porem fica impossível conceber que esses grupos surgidos hoje não sejam decorrentes da super exposição dessa falácia da baleia azul. E esses comportamentos dos jovens não foram motivados pela baleia,o jogo da baleia azul é teoricamente um jogo de auto punição,um jogo que te levaria sempre a comportamentos auto destrutivos ate o ponto de tirar sua própria vida, e para que o sujeito decida fazer isso é sinal de que já havia algum processo instalado na sua psique, não foi a Baleia azul que o fez querer se cortar.se maltratar, se mutilar ou atentar contra a própria vida, o máximo que a baleia azul faria seria alimentar esse vazio que este sujeito já sente, ela seria um catalisador para o processo de depressão ou ideação suicida mas dificilmente a causa dele.
Para finalizar existe um simbolismo presente na escolha da baleia que reflete exatamente isso que discuti nesse texto. As baleias são animais em sua maioria sociáveis, que se desenvolvem em grupos e tendem a viver em grupo, então a escolha desse animal por si só para representar a retirada da vida mostraria um rompimento com essa coletividade, mas eu quero apontar aqui para um simbolismo um pouco mais profundo.
Na mitologia de uma maneira geral a Baleia representa uma figura materna diretamente relacionada ao inconsciente e o contato com tais figuras representa a possibilidade do herói em renascer das suas questões mais intimas,o que dentro da jornada do herói (ou processo de individuação ) seria chamado de o ventre da baleia. Este é um momento no qual o herói é confrontado com seus mais diversos medos suas maiores angustias, poderíamos atribuir popularmente ao chegar ao fundo do poço, uma situação de escuridão onde o sujeito não enxerga muita esperança, então ao elencar esse animal para um jogo de suicídio inconscientemente se aponta na direção de que elementos de afeto e cuidado estão em desequilíbrio dentro do inconsciente, o que reforça a ideia de que o que mais precisamos é de escuta e cuidado para aqueles que por ventura acabarem tendo contato com o jogo da baleia azul e para a depressão de uma maneira geral.